Meninas são gigantes

terça-feira, maio 31, 2005

Dor

para Briza Mulatinho

A dor
é asa
que leva,
e eleva,
é brasa
que arde,
e invade,
e agride,
e insiste
em nascer em flor.

A dor é faca
que serra,
e cerra,
e encerra
o senso
de única visão.
É força estranha
duplo instante
novo itinerário
e só,
e escuro,
e fusco,
e confuso,
que insiste
em matizar
e renascer
a cor.

A dor
é fonte
que suja
e alveja a fronte,
que mata
e reluz horizonte
que queima
e inunda,
reprime,
expele,
e mesmo sem querer
se flagra
a se opor.

A dor
é fogo
em tempestade
sol chuva arco-íris
vida, morte
de mãos dadas
fronteira tênue
interjeição
explosão e alívio
clareza e abismo
sangue
suor
êxtase
horror.

A dor
sonambulismo,
desperta ao dormir
e no auge
da madrugada
passeia
pelos meus cantos
meus ecos,
vazios,
terrenos baldios,
que até então
achava que conhecia...
Nessa noite fria
tudo é dor
num instante
frágil
e momentâneo
e nunca visto por essas bandas.
Mas sei,
que ao despertar do dia
nasce a manhã
assenta-se os mistérios
e o frio se ausentará
E eu,
braços abertos
corpo e alma
e só!
recebo ao sol
e ao seu calor.

segunda-feira, maio 30, 2005

O dia em que ele me mostrou que eu não precisava de alucinógenos

para Yane Santiago

Eu disse a ele que quando pulava não sentia a queda, somente o prazer do salto. Através de seus olhos de vidro vi o deleite do impulso, o impacto fofo, as outras mesas e a fumaça do chocolate quente. Uma esfera colorida se arrastou por todo o ambiente ziguezagueando entre os transeuntes. Sorri, feliz. E foi aí que ele me mostrou que eu não precisava mais de alucinógenos.

sábado, maio 28, 2005

Evaporei

E-va-po-rei.
Agora, faça-me chover.

Cavoca, moleque

Cavoca, moleque. Com um lasco, um lasco de diamante que seja, vai ter a vida feita. Cavoca.

Toquei no seu joelho e seus olhos dançaram ao redor de uma fogueira. Nem sei de qual país era.

sexta-feira, maio 27, 2005

Os vãos

O falar desesperado.
A mudez desatada na linguagem.

A embriaguez do que é real.
A concretude do cálice quimérico.

A procura incessante do sentido [e em vão].
A resposta da sombra e do sonho.

A tangente da memória e da vivência.
O retrato gravado no sopro do vento.

A busca da verdade essencial.
O encontro do habitante desconhecimento.

A certeza do instante.
O rastro do acontecido.

A verdade do subjetivo.
A incerteza das quatro paredes.

A calmaria ocre dos fatos.
A crença, a fortaleza por si só.

Menina dos olhos negros, não crês na tua graça? Vejo-te recolhendo poesia pela vida baldia como quem implora, mendiga e com tais restos faz um mexido e os serve na mesa posta com vinho do porto, comprado com as economias de uma vida inteira. Colocas tua roupa de festa, teus brincos de pérola, para tornaste ligeiramente elegante. Caminhas distraída sem precisão nos passos com seus sapatos de salto alto.Tropeças a cada cinco. Nem o cominho, nem a pimenta subverteu o sabor de esgoto. Ah, menina, sei bem com o que sonhas. Sonhas com um sonho...um sonho caduco sem eira nem beira, que nem sabes mais o por quê. Me parece triste. Mas finges que não o é.

vereda da dispersão onde triunfa o mal num impasse de subjetivismo e realidade

Pudera
Talvez a morte
Sempre estivera
Em forma de bicho
Medusa, Saci ou Quimera

Por trás da mente cerrada
habita
Por trás do hálito doce
habita
Por trás de um único corpo
habita
duas faces
duas mortes
ou duas vidas

Maçãs
No rosto corado
o susto
o grito

Erroneamente
Pairando defronte
a apatia
a hepatite
a encefalite
o medo

Em porte
Em ar galanteador
Em terno
preto e branco
É o diabo
sorrindo
suave
E numa fração de segundos
gargalha
gargalha
gargalha

quinta-feira, maio 26, 2005

Rabisco

Escrever é rabiscar em tudo que habita em mim. Mas as coisas são assim. Assim rabiscadas.

Esse filme eu já vi.

No ano passado um livro do escritor Fernando Bonassi foi queimado num pátio colegial pelos próprios educadores da escola pois foi visto como imoral. "Primeiro queima-se livros, depois pessoas", segundo Thomas Menn. Esse filme eu já vi.

meninas são gigantes

Saudações,
Por volta das duas horas tive vontade de lhe falar. Toda a semana isso me parece estranho.Sem hesitar, apesar do atraso, você aceita.
Foi um passeio silencioso. Mal conversamos. Mas eu já lhe disse, não me incomoda o nosso silêncio. Existe a cumplicidade. Olhei ao redor, e vi uma poesia triste jogada na rua. Parecia um pidão com o caneco vazio. A rua estava fria, o asfalto ainda mais cinza. Não haviam odores. O farol fechado alumiava os sentidos. A tarde parecia chuvosa. Chovia em mim [a chuva chia e encharca o dia. O céu desaba na rua molhada e gota e gota até que esgota! Até que esgotou. Que transbordou. E fui à rua beber a tempestade]. Numa gota e outra, a angústia de leve, sem doer. E a boca cheia de silêncio. E eu, no encharco. As pessoas se cruzavam passavam bem perto e não se viam. E vivendo, vidas a fio assim. Ouvi a marchinha tocar. Saía de um vão de um arranha-céu. Era baixa, quase um sussurro. Havia quem dissesse que era cacofonia. Havia quem duvidasse. As pernas descompassadas e deselegantes. Era um movimento atípico esses dos calcanhares da cidade. E parte de mim se lembrou da arca de noé. Animais separados em filos. Andando em fileiras. Depois me lembrei do conto do flautista que tirava os ratos da cidade com sua música. Os passos estavam harmonizados com a marchinha cacofônica. Apesar dos pesares, tudo caminha para um mesmo lugar. Só não sei onde, amigo. Realmente, não sei. E então me senti pequena. Pequena como uma menina. quer dizer, menina não. Meninas são gigantes. Quando pulam corda, ficam ainda maiores.
Foi pequena minúscula. Uma pequenice restrita e anunciada. Vi que não sabia ser. Uma manada havia passado por cima de mim. Eu já não era. E precisava de um trago.

A seco, voltei pra casa, acompanhada de um contra-fluxo.