Meninas são gigantes

terça-feira, maio 08, 2007

A desistência do movimento
é lenta
desaritmando-se
alinhando-se
a um silêncio opaco e estático
esconde-se
tornando-se tênue
num quase-mudo e calado
vagarosamente
numa sequência lodosa
paralelamente arrastado
rastejando serpertinosamente

num quase-morto
num nada-novo

contínuo
de ausência e não-imagem





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(se o centro do corpo é vago
não há margem)

domingo, fevereiro 18, 2007

Nesse mundo de mudez e nudez...

(à Híndira )
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...haveria a possibilidade de olhar ao redor
e num rodar-silêncio,
honestamente, sorrir?

...haveria mesmo a honestidade de sorrir,
ainda que viver é rondar
silenciosamente na sua própria
possibilidade de mudo?

...haveria então a possibilidade de mudez
ainda que ro(n)dar
seja dinâmico e o movimento
por si só já nos desnuda,
já que nos revela?

...haveria realmente a honestidade da nudez
ainda que o movimento inevitável
da vida surrealiza a moldura
estática do dia (de vinte e quatro horas)
e o caos dá um medo danado, e
nos inibe a nos despir (e viver)?



[e por ora sinto saudades de seu olhar.
é o mais seguro]

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Ode à louca

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Nos últimos dias, venho visitando uma menina que é tida pela sociedade como louca. Louca de carteirinha, por laudo médico, dessas com passagem gratuita dada pelo governo, fazendo tratamento psiquiátrico, tomando remédio tarja preta, desses receitados pra doido varrido.

Nos últimos dias, prefiri conviver com a louca. Contei a ela todos os sonhos alucinados que
tive nesse último ano, a sopa deliciosa de palavras que ouvi e foram jogadas aos porcos: nossa mesa estava farta, falamos das últimas notícias, brindamos à seco nossa hipocrisia,
publicamos berros altos em nossos jornais imaginários. E em silêncio, notei que pra participar de toda essa merda em que vivemos dia-a dia e ser respeitado, é necessário ser sádico, comer carne humana, e cuspir em cima da vida pra ser visto como normal. Ainda que convulsionasse. Ainda que sangrasse os olhos. Ainda que houvesse lama.


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Um olho dela, refletia os outros rostos cheios de repulsa que murmuravam:
-olha ela, a louca!

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E o outro olho da louca manifestava de que jeito nos ensinam a viver e morrer em dez lições. Os olhos da louca eram ásperos o tempo todo, todavia de vez em vez, algum desespero silencioso os tomava por ocos, num vácuo fofo e inexpressivo. Os olhos dela, nessas horas, confortava o peito aflito de seus familiares, como se ela deixasse de ser um inseto repugnante, e voltasse a ser a ente querida que sempre foi.

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segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Carta da nudez interrompida, corrompida por si mesma

Eu por mim vos peço: me deixe.
Minha espada se recordou de meu passo e agora nada é possível se não duzentos séculos de uma mesma palavra confusa. Eu por mim não desfaleço, eu por mim não desloco, só permaneço deitada sobre minhas roupas, minhas misérias, deixando o céu torrencial estapiar minha carne.
Vinte anos e nenhuma questão respondida, sequer colocada. A ânsia pela resposta foi substítuida pelo barulho rítmico de meus sapatos, pela não-linguagem ávida do desejo cego, pela insuficiência cardíaca do corpo, pelo caos cirandeiro, cíclico e vicioso.

Dos que ficam; o vento que corta o rosto, o assédio do tempo seco que retorce os galhos das árvores e um ódio inexplicável _e mudo_ pelos objetos da cidade [o desejo irresistível de silêncio, e da não-movimentação vibra nas fibras do corpo, manifesta na boca aberta que não diz, através da voz não-propagada; o desejo estático:
-Cessar.


[E nos desejos fora do corpo, sonha-se com voz de mãe, que canta morna canção de ninar.]

quarta-feira, setembro 28, 2005

O grito

Deve-se conter o grito,
uma vez concluído e pronto, feito em mim?
Deve-se concluir este canto obrigatório?

(No centro do corpo, antes, o grito se elabora.)

Me calo.
Gritar pra quê?
O grito é apenas um arco breve
que se propaga e morre,
pra fora de mim.

quarta-feira, agosto 24, 2005

Um sorriso, um incêndio branco moveu a luz de dentro e a transportou para o quarto que virou mesa: o apetite, o desejo de flores se devorou e lambeu em amarelo, pétala por pétala, exalando o cheiro de sete sóis e margaridas apressadas que corriam num desejo bonito de flor, num jardim contrário.
Os céus, a boca, os céus da boca trêmulas falavam línguas de um país estrangeiro, estranho, que de estreitos passavam pelas suas entranhas como átomos que pulavam, que faziam seu quintal todo girar, como quando olhava pra lua e rodava, infante.
Perdeu-se na confusão de noite e dia. De noite e de dia. E de tanta noite e tanto dia, perdeu-se nas orelhas de hortelã. E perdeu-se de casa, de semana, e no tempo (aliás, ainda deve estar lá , entre uma nota e outra nas canções-parábolas, ou nas próprias canções-palavras, tão viscerais.
E a escancarada boca de fera que engolia os planetas, cessa n'algum momento, no intervalo de fel e caramelo, no cansaço do corpo, quando as formigas de todo o país resolvem caminhar nas suas artérias, enfileiradas; quando o céu veloz não é o bastante, quando há um relâmpago entre dois pés, e o gosto pós-gozo nutria e aguava o sangue.
Daí, vem o sono, o amor com sono que fecha suas pálpebras através da luz tênue do banheiro, e do cansaço. E dorme, o humano, exausto.

domingo, agosto 14, 2005

Quando o carnaval era eu

Ouviu a música e uma súbita alegria tomou conta de seu corpo.

Pensou no carnaval de cinquenta. Que coisa bonita era aquilo, todo mundo cantando junto, num coro. Coro, não. Era uma voz só.Todo mundo cantava no carnaval. E o carnaval era eu.

sábado, julho 30, 2005

Cena anti-poética do cotidiano em ritmo de noticiário ou Se perdendo de Deus.

Ontem, na avenida Henrique Schaumman havia um moleque de rua vestido de palhaço: pés sujos, peruca colorida e maquiagem no rosto.
Tentava fazer malabares com graça, apesar da gesticulação apagada.
O motorista nem abriu o vidro. Engatou a terceira e foi embora.
Ele pensando em trocados e eu em minha máquina fotográfica. "Cada qual com suas misérias", pensei.
Fechei minha janela contemplativa, quando cheguei ao fim da faixa de pedrestes. Apertei o passo, precisava correr. Mas para onde, mesmo?

sexta-feira, julho 15, 2005

O desejo

Ontem às três da manhã num quarto escuro, desejou cobrir os arredores de gasolina. Ver fogo lambendo o asfalto, os carros, os ratos e os jantares, fazendo-os todos suar. Ver registros, segredos que o mundo provoca e não explica rodeado de um incêndio irremediável, consumindo lento até virar pó ocre, tangível e simples.

Desejou ver o fogo dançando ao redor da cidade. E vê-lo fazê-la explodir e se esvair em fumaça. Era uma metáfora do quanto estava inflamada por dentro.

E viu que não precisava atear fogo à cidade. A nada. Depois de macaco pra homem, a próxima metamorfose era daqui ao pó. Aquele mesmo: ocre, tangível, simples.
Eram as coisas que caminhavam em direção ao fogo, que brincava só e infante, sem incomodar.

Foi ela quem desejou o incêndio. Foi ela quem o trouxe. Do mesmo modo que é a cidade que caminha em direção à ele, independente de desejos temperados à conhaque.

Apagou a brasa inofensiva do cigarro, matou o último gole [não havia mais gelo] e entregou o corpo ao sofá,de modo que apagou profundamente, sem tirar os sapatos.

segunda-feira, julho 04, 2005

E o canaval todo era pra ela.
Trespassou pelos objetos da casa, dançou, rodopiou [gostava ela de rodopiar, às vezes. De quando em quando rodava rápido pra lua redonda e gargalhava]. Enquanto o fazia, de ponta de pé, a música era seu melhor brinquedo.
Abriu os olhos [arregalou na verdade],correu pra fechadura e olhou: tudo era incêndio ao redor da sala. A música na verdade estava resguardada numa caixinha de jóias. Eu era a balarina. E doeu.