Meninas são gigantes

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Ode à louca

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Nos últimos dias, venho visitando uma menina que é tida pela sociedade como louca. Louca de carteirinha, por laudo médico, dessas com passagem gratuita dada pelo governo, fazendo tratamento psiquiátrico, tomando remédio tarja preta, desses receitados pra doido varrido.

Nos últimos dias, prefiri conviver com a louca. Contei a ela todos os sonhos alucinados que
tive nesse último ano, a sopa deliciosa de palavras que ouvi e foram jogadas aos porcos: nossa mesa estava farta, falamos das últimas notícias, brindamos à seco nossa hipocrisia,
publicamos berros altos em nossos jornais imaginários. E em silêncio, notei que pra participar de toda essa merda em que vivemos dia-a dia e ser respeitado, é necessário ser sádico, comer carne humana, e cuspir em cima da vida pra ser visto como normal. Ainda que convulsionasse. Ainda que sangrasse os olhos. Ainda que houvesse lama.


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Um olho dela, refletia os outros rostos cheios de repulsa que murmuravam:
-olha ela, a louca!

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E o outro olho da louca manifestava de que jeito nos ensinam a viver e morrer em dez lições. Os olhos da louca eram ásperos o tempo todo, todavia de vez em vez, algum desespero silencioso os tomava por ocos, num vácuo fofo e inexpressivo. Os olhos dela, nessas horas, confortava o peito aflito de seus familiares, como se ela deixasse de ser um inseto repugnante, e voltasse a ser a ente querida que sempre foi.

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5 Comments:

  • escrevo uma vez por grito.

    By Anonymous Anônimo, at 12:44 PM  

  • entaum grite bastante!

    By Anonymous Anônimo, at 5:44 PM  

  • O sutil movimento deste lugar sempre me afeta.

    By Blogger Dia 10, at 2:16 PM  

  • Um texto corajoso!

    É preciso coragem para romper com a mesmice, com a leveza e a sutileza.

    Para se assumir e expor uma parte de si, é necessário, também, talento.

    By Anonymous Anônimo, at 8:42 AM  

  • e isso, aliás você tem de sobra.

    By Anonymous Anônimo, at 4:52 PM  

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