Meninas são gigantes

sábado, julho 30, 2005

Cena anti-poética do cotidiano em ritmo de noticiário ou Se perdendo de Deus.

Ontem, na avenida Henrique Schaumman havia um moleque de rua vestido de palhaço: pés sujos, peruca colorida e maquiagem no rosto.
Tentava fazer malabares com graça, apesar da gesticulação apagada.
O motorista nem abriu o vidro. Engatou a terceira e foi embora.
Ele pensando em trocados e eu em minha máquina fotográfica. "Cada qual com suas misérias", pensei.
Fechei minha janela contemplativa, quando cheguei ao fim da faixa de pedrestes. Apertei o passo, precisava correr. Mas para onde, mesmo?

sexta-feira, julho 15, 2005

O desejo

Ontem às três da manhã num quarto escuro, desejou cobrir os arredores de gasolina. Ver fogo lambendo o asfalto, os carros, os ratos e os jantares, fazendo-os todos suar. Ver registros, segredos que o mundo provoca e não explica rodeado de um incêndio irremediável, consumindo lento até virar pó ocre, tangível e simples.

Desejou ver o fogo dançando ao redor da cidade. E vê-lo fazê-la explodir e se esvair em fumaça. Era uma metáfora do quanto estava inflamada por dentro.

E viu que não precisava atear fogo à cidade. A nada. Depois de macaco pra homem, a próxima metamorfose era daqui ao pó. Aquele mesmo: ocre, tangível, simples.
Eram as coisas que caminhavam em direção ao fogo, que brincava só e infante, sem incomodar.

Foi ela quem desejou o incêndio. Foi ela quem o trouxe. Do mesmo modo que é a cidade que caminha em direção à ele, independente de desejos temperados à conhaque.

Apagou a brasa inofensiva do cigarro, matou o último gole [não havia mais gelo] e entregou o corpo ao sofá,de modo que apagou profundamente, sem tirar os sapatos.

segunda-feira, julho 04, 2005

E o canaval todo era pra ela.
Trespassou pelos objetos da casa, dançou, rodopiou [gostava ela de rodopiar, às vezes. De quando em quando rodava rápido pra lua redonda e gargalhava]. Enquanto o fazia, de ponta de pé, a música era seu melhor brinquedo.
Abriu os olhos [arregalou na verdade],correu pra fechadura e olhou: tudo era incêndio ao redor da sala. A música na verdade estava resguardada numa caixinha de jóias. Eu era a balarina. E doeu.